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A estrutura da sociedade brasileira é racista. Para mostrar na prática que não existe tal coisa como o mito da democracia racial, pegamos o futebol como contexto, e o resultado é escancarado: ao passo que a maioria dos roupeiros, massagistas, seguranças, motoristas e demais funcionários de trabalhos “braçais” do clube são negros, funções como a de nutricionista, médico, preparador físico, até chegarmos no departamento executivo, apresentam em quase todas as instâncias funcionários brancos. 

 

“A nossa sociedade ainda acredita que, para posições de comando, um negro não serve, não serve para pensar, planejar. Dentro de campo conseguem se valorizar no futebol, mas nas posições de cargos de comandos, não têm a mesma chance dos brancos”, afirma Breiller Pires, jornalista do El País Brasil. 

 

A mentalidade racista e conservadora que estrutura a sociedade brasileira não permite que as pessoas entendam o papel dos clubes na formação de pessoas. Uma vez que as crianças se tornam torcedores muito cedo, frequentam os estádios e espelham as atitudes dos mais velhos, enquanto não começarmos a falar em campanhas de massa sobre questões sociais, nada vai acontecer. 

 

“A gente vive numa sociedade racista, machista, homofóbica, xenofóbica e violenta. O futebol pode e deve conversar com essas pessoas. O Bahia é um grande exemplo, espero que outros clubes surjam com a mesma filosofia. E isso se deve porque grupos minoritários estão saindo das periferias dos clubes e hoje estão lá dentro, decidindo o calendário anual de ações. Isso não é chegar no dia 20 de novembro e fazer um post, é muito mais que isso.”, afirma Marcelo. 

 

“A gente se acostumou a enxergar os clubes como empresas. Mas empresas também precisam ter responsabilidade social. O Bahia, por exemplo, tem o plano de abrir uma universidade para pobres e negros porque reconhece que tem uma dívida com essas pessoas, tanto que sua diretoria, composta por homens brancos, está muito longe de espelhar o que é a sociedade baiana”, conta Breiller. 

 

Estamos falando do racismo estrutural, aquele que é velado no debate e escancarado na prática. Para entender isso, basta olhar para as estruturas da nossa sociedade, em algumas perguntas básicas que, se você ainda não percebeu, deve questionar para entender o lugar onde você mesmo vive:

 

  • Quando vai a um restaurante, quantos negros você encontra?

 

  • Ao visitar uma empresa, qual é a cor dos que te recepcionam e cuidam do espaço, e qual a dos executivos?

 

  • Qual é a cor predominante na política e nas empregadas domésticas?

 

“Racismo estrutural é algo que está permanente na sociedade e que pessoas não querem trabalhar contra isso, não só no futebol, mas também em empresas, políticas públicas. Quais nomes de negros têm grande importância na politica, judiciário? Não acho certo fazer a relação dos negros com falta de qualificação, pois temos muitos qualificados que não tem a mesma oportunidade. Não é um racismo escondido e muito menos velado”, aifrma Breiller. 

 

“Proibiram negros de frequentar escolas, de serem donos de terra. Além de eu não dar uma condição de igualdade, eu ainda proíbo, quer dizer: eu quero perpetuar aquela condição de inferior”, explica o criador do Observatório Racial. 

 

No Brasil, a história se deu exatamente assim. Não à toa, favelas cresceram de forma descontrolada e os espaços destinados a cada classe socioeconômica foram delimitados em escala nacional.

“A questão do racismo estrutural é barrar a ascensão de pessoas negras e o futebol é reflexo disso”, aponta Marcelo, adiantando a frase que originou esta reportagem:

 

"Se os jogadores em sua maioria são negros e quase todos os treinadores são ex-atletas, por que é raro encontrarmos um técnico negro?"

 

E o próprio Marcelo responde: “Não é que não temos pessoas negras em determinados lugares, mas são exceções à regra. Você não consegue me apontar mais de um ou dois casos.”

 

Meritocracia

Um dos maiores argumentos da sociedade conservadora, que acredita que se não falarmos mais de racismo ele vai desaparecer, é a meritocracia. Apontam que tudo o que conquistaram na vida foi por mérito próprio, mas se esquecem das estruturas e privilégios sociais que, quando não os impulsiona, ao menos não atrapalham, como é o caso dos negros. 

 

“A sociedade ainda acredita que, para posições de comando, um negro não serve para pensar ou planejar. Carregam uma bagagem histórica, conseguem se valorizar no futebol, mas nas posições de comando, não têm a mesma chance dos brancos. Se o conceito de meritocracia fosse levado a sério, de fato no futebol, teríamos um grande números de técnicos negros no futebol, por desenvolverem um bom trabalho”, explica Breiller sobre o conceito de meritocracia amplamente discutido pelas camadas mais conservadoras da sociedade. 

 

E completa Marcelo:

 

“Não se pode falar em meritocracia num país em que há crianças que saem de casa às 6h da manhã, caminham 10 quilômetros para chegar na escola, sem comer, enquanto outras se alimentam e dormem bem.” 

 

Representatividade

“A partir do momento que detectamos o racismo como um problema, precisamos pensar em soluções para amenizar esse conflito entre brancos e negros. A CBF poderia reconhecer o problema e adotar a prática, oferecendo cursos para negros simplesmente por todos os momentos de dificuldade que o negro já passou como o próprio racismo, falta de estrutura familiar e oportunidades”, conta Breiller. 

 

Marcelo diz que campanhas nas redes sociais não servem para reeducar o povo, ainda mais o brasileiro que não discute esses assuntos no cotidiano e precisa de ações efetivas para uma mudança de mentalidade. E vai além:

 

“Eu nem falo em dívida histórica na questão de cotas, mas de representatividade, de espelho. Eu não consigo chegar aonde eu não vejo ninguém. Precisa ser internamente muito preparado para chegar a um lugar que você sabe que não é o seu. 

 

Na minha visão eu preciso ter negros em todos os lugares para as crianças que estão nascendo poderem ver engenheiros, advogados, juízes, promotores, presidentes da República negros e vão dizer: "Eu também posso. Se aquele cara está lá, eu também posso. É preciso mostrar o exemplo e dar espaço.”

 

O levantamento aponta que 15% dos técnicos na série A são negros. Na série B, apenas 10%. E no levantamento geral, que leva em conta Presidentes, Treinadores, Auxiliares e Diretores de Futebol das séries A e B, apenas 7,84% são negros.

 

Em 2019, apenas dois treinadores dentre os vinte da primeira divisão são negros. Mas não foi assim desde o início do torneio: Roger Machado foi contratado pelo Bahia no fim do calendário estadual para a sequência da temporada enquanto Marcão, então auxiliar técnico no Fluminense, foi promovido a treinador interino apenas na 22ª rodada e, após vitória contra o Grêmio, foi efetivado. Mais recentemente, Coelho assumiu interinamente o Corinthians após a saída de Fábio Carille, mas deixará o posto na próxima temporada para dar lugar a Tiago Nunes.

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