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O paradoxo Pelé: vítima e fantoche 

Edson Arantes do Nascimento, mundialmente conhecido como Pelé, foi o melhor jogador da história do futebol. Vencedor de 3 Copas do mundo, 2 taças Libertadores da América, 6 campeonatos brasileiros, 10 títulos paulistas, foi considerado jogador do século pela FIFA e pelo jornal L’Équipe e possui mais de 1000 gols na carreira. É indiscutível a importância que ele tem para o futebol brasileiro e mundial, entretanto, Pelé é um dos atletas mais criticados pela esquerda e pelo movimento negro brasileiro devido ao seu papel de fantoche da propaganda política da ditadura no país e ausência de posicionamento incisivos contra o racismo.

 

A opção de não se posicionar publicamente não lhe era exclusiva, sua ideia de combate ao racismo era semelhante à da geração de Jesse Owens, medalha de ouro nas olimpíadas de 1936 em quatro modalidades do atletismo, de Jack Robinson,um dos melhores jogadores de baseball, e Joe Louis, entre os melhores pugilistas do boxe. Os três americanos foram referências nos principais esportes dos EUA durante as décadas de 30 e 40, e todos possuíam compromisso na luta contra o racismo, mas acreditavam que a melhor maneira de combate seria com seus êxitos no ambiente esportivo, sendo uma referência e um exemplo para romper o racismo.

 

Para José Paulo Florenzano, antropólogo e professor da PUC-SP, a falta de respaldo e retaguarda dos movimentos deve ser levado em conta ao falarmos do caso de Pelé. Diferentemente da luta de Muhammad Ali contra opressão racial nos EUA, na qual possuía a retaguarda do movimento da nação do islã, o seu histórico na luta pelos direitos civis e, posteriormente, o apoio dos panteras negras. No Brasil, o movimento negro estava se articulando, mas o contexto político e social do regime militar dificultava o seu sucesso, impossibilitando o apoio que Pelé necessitava. 

Pelé ergue a taça Jules Rimet ao lado do ditador Medici
foto:Roberto Stuckert/folhapress

Além do período em que o país se encontrava, o fato do Brasil ter vendido ao mundo a ideia de que seus cidadãos viviam em uma democracia racial, impedia o debate e as discussões sobre o racismo na sociedade. A democracia racial tem por função tornar incômodo e desconfortável a discussão sobre racismo, faz com que as pessoas fiquem constrangidas e, por isso, deixem de discutir. A maioria da população brasileira submergiu nesse mito e passou a normalizar o racismo durante muito tempo, apenas com as recentes conquistas das minorias nos anos 1990 e 2000 que o quadro passou, lentamente, a mudar. Pelé nasceu e se formou jogador e ídolo nesse contexto, o que dificultava ainda mais que ele tivesse um comportamento tão combativo com o sistema que vivia. 

 

Em 1970, o futebol brasileiro estava no seu auge, conquistou a terceira Copa do Mundo e a posse definitiva da Taça Jules Rimet, se consolidando como principal seleção de futebol da época. Fora do campo, o regime militar, sob o governo de Emílio Médici, usava a figura de Pelé como forma de propaganda política, tendo na conquista do tricampeonato a sua maior realização antes da sua ruína.

 

Alguns meses após a conquista do mundial, Pelé anunciou que se aposentaria da seleção brasileira O anúncio da decisão de Pelé surpreendeu a todos e gerou revolta nos militares, nos veículos de imprensa e em grande parte dos apaixonados por futebol. O ex-jogador da seleção brasileira passou a sofrer com a perseguição e ameaças dos militares que queriam sua volta à seleção.  A situação se agravou quando ele se recusou a jogar a Copa de 1974 e passou a mostrar intenções de que passaria a ser empresário após o fim de sua carreira. A partir daí, passou a ser taxado de mercenário e foi alvo de críticas ainda mais duras. Para Florenzano, o fato explicita como o espaço do negro no futebol é canalizado e restrito ao campo de jogo. Ele também completa “ O Pelé pedia para contribuir com a sociedade brasileira em outro campo, como empresário, e não lhe davam esse direito. É muito interessante perceber esses jogos dentro da nossa sociedade, ‘Pelé empresário não, porque aí é mercenário, é o negro que não conhece seu lugar”.

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